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segunda-feira, 26 de abril de 2021

Cross vem de cruzar, ultrapassar limites, chegar ao outro lado.  Desde o início de tudo isso nas visitas ao guarda roupa da minha mãe, sempre houve limites a serem ultrapassados, antes era a coragem de deixar o banheiro e andar de vestido e salto alto até o espelho do quarto. Bem mais tarde, a coragem de sair na rua montada e ir até um clube noturno. Sair de dia, experimentar sapatos e roupas, contar para alguns amigos, beijar homens, transar com homens... Sempre que existiram limites, eu fui cruzando - nada mal, afinal me chamava de Cross! Na casa dos 40 já não achava que haveria algum limite para ultrapassar. 

Estava redondamente enganada. Veio a pandemia, deixei de sair, deixei de dar vida Jessica e experimentar as doses homeopáticas do meu lado mulher, fiquei cansada e sentindo uma falta tremenda de me ver de maquiagem e vestido. Mas o alongar do isolamento acabou me deixando numa certa abstinência do salto alto e me impôs uma reflexão sobre como lidei com isso minha vida toda. 


Sempre me entendi como uma crossdresser super resolvida, elaborada. Não tinha medos de experimentar e sempre soube que essa coragem me levou a momentos de muita alegria e satisfação experimentando e expressando meu lado mulher. Via em amigas virtuais, olhando a partir da minha experiência, que eu era ousada e me orgulhava por não deixar de viver minha feminilidade com plenitude. Mas um dia, foi uma matéria no Linkedin que chacoalhou minhas certezas.

Era uma notícia de que uma mulher trans era a mais nova contratada de uma empresa como a que trabalho. Me peguei sonhando em ser uma mulher trans, trabalhar todo o dia como mulher e fazer uma transição mais completa. Até aí, nada novo, mas o pensamento grudou. Semanas se passaram e a idéia nunca mais me abandonou. Conversei com uma antiga amiga, que recentemente fez sua transição. durante o bate papo ouvi:  "As pessoas não decidem assumir sua transição pela força de sua identidade, mas pela força para enfrentar o mundo". Foi um tapa na cara. Me vi na posição das minhas amigas que se queixavam de não ter coragem de sair em publico. Estava evidente que a partir da perspectiva dessa minha amiga trans, eu estava o mesmo número de degraus abaixo dela que minhas amigas reclusas estavam de mim. É uma escalada, sempre soube, mas demorei para assumir o óbvio: Eu sou uma mulher trans!!!

Não, não sou uma Crossdresser! Ou, pelo menos, não sou mais. Isso foi um jeito de lidar, a forma que encontrei para seguir a vida sem assumir por tanto tempo que eu quero ser mulher e quero viver uma vida como mulher. Ironicamente o título desse blog: CrossGeneros e TransDresser, ja flertava com essa idéia. Na verdade tudo é muito claro quando olho pra trás, sempre me dei pistas do que realmente queria. 

Passei por muitos meses com isso na minha cabeça, debatendo internamente se de fato eu sou uma mulher. Aumentei a quantidade de sessões da minha terapia, li e reli tudo a respeito, conversei com amigas trans, amigos cis... Mas a resposta afirmativa veio aqui de dentro, ninguém me disse.

Agora, estou tentando encontrar a saída e descobrir como encaixar essa revelação na minha vida atual. Ainda não descobri e sei que não será fácil. Estou me dedicando a busca da mulher que foi escondida aqui dentro, durante anos em que precisei viver a conveniente e confortável vida como homem Cis.